O príon tem outro papel

quarta-feira, maio 20, 2009

Novo papel do príon
20/5/2009

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Sabe-se que a proteína príon celular (PrPC), altamente expressa na superfície das células do sistema nervoso, tem papel importante no amadurecimento e na formação dos prolongamentos dos neurônios, além de protegê-los da morte celular programada – a apoptose. Ela também modula a resposta do sistema imunológico às inflamações e há evidências de que proteja as células do coração contra a agressão química.

Pesquisadores brasileiros descobrem que proteína príon celular, além de atuar na formação e morte de neurônios, pode modular a agressividade de células tumorais. Estudo foi publicado no International Journal of Cancer (Foto: Glaucia Hajj/LIRC)

Um novo estudo feito por pesquisadores brasileiros sugere que a expressão da PrPC também pode modular a agressividade de células tumorais. O trabalho, coordenado pela professora Vilma Regina Martins, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, foi publicado na edição on-line da revista International Journal of Cancer.

Resultado do Projeto Temático “Papel da proteína príon celular em processos fisiológicos e patológicos”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Vilma, o estudo teve a participação de Angelita Muras e Glaucia Hajj, também do Instituto Ludwig, de Karina Ribeiro e Regina Nomizo, do Hospital A.C. Camargo, de Sueli Nonogaki, do Instituto Adolfo Lutz, e de Roger Chammas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com Vilma, graças à contribuição do Temático – que está em fase de conclusão e é o segundo coordenado por ela sobre o tema –, a PrPC começa cada vez mais a aparecer na literatura científica não apenas pela importância nas doenças neurodegenerativas causadas por príons, mas também por sua relevância biológica.

“Nossos dados mostram que a PrPC modula negativamente a expressão e a ativação de outras proteínas como a integrina, resultando em um fenótipo mais agressivo. Os resultados indicam que a PrPC pode ter implicações importantes na modulação da formação de metástases”, disse à Agência FAPESP.

O grupo, segundo a pesquisadora, estudou o papel da PrPC na modulação de um processo tumoral utilizando culturas de células e modelos animais. Células mesenquimais de camundongos – que não continham a PrPC – foram transformadas para desenvolver tumores, apresentando taxas de crescimento semelhantes à da formação tumoral in vivo. Sobre essas células transformadas, o grupo pôde testar a modulação da proteína.

“Transformamos células que não tinham príon em células tumorais. Com isso, elas se tornaram particularmente agressivas e, quando injetadas na veia caudal dos animais, apresentaram colonização pulmonar. Não se trata de uma metástase, mas de uma característica experimental típica de uma célula agressiva”, explicou.

O estudo indica que a falta da PrPC na célula leva à ativação de outras proteínas que, por sua vez, tornam o tumor mais agressivo. “Em um neurônio normal, por exemplo, uma determinada proteína tem o papel de preservar a capacidade de a célula formar axônios e conexões. Mas em uma célula que foi transformada para ser tumoral, as modificações ocasionadas pela ausência da PrPC levaram a uma maior agressividade do tumor”, disse.

Mecanismo de compensação

Quando foram criadas as primeiras linhagens de animais que não produziam a PrPC, há cerca de 20 anos, não houve alteração aparente em seus organismos. “Naquela época havia duas hipóteses: ou a proteína não servia para nada, ou tinha uma função tão importante que precisava ser redundante – isto é, exercia sua ação para compensar uma função do sistema que tivesse sido desativada”, disse Vilma.

Há cerca de dois anos, um artigo produzido pelo grupo brasileiro demonstrou que os neurônios com PrPC tinham a mesma capacidade de produzir axônios que as células semelhantes, mas desprovidas da proteína. Os cientistas descobriram que isso ocorria porque existia um mecanismo compensatório.

“Naquele artigo, mostramos que as células que não possuem PrPC têm maior atividade de outra proteína, a integrina. Com isso, explicamos pela primeira vez por que não há grandes alterações quando se avalia os animais desprovidos da PrPC. No entanto, sabemos que a integrina também é muito importante para o processo tumoral”, afirmou.

Quando usaram um fibroblasto – célula do tecido conjuntivo – de um animal sem PrPC e o transformaram em célula tumoral, os cientistas viram que a presença da integrina fazia o tumor ficar mais agressivo. “Isso indica que a PrPC é uma proteína regulatória que, ao ser retirada do sistema, altera outras proteínas como a integrina. Normalmente isso não vai causar um tumor. Mas quando causamos o tumor no animal, se a PrPC estiver diminuída a célula fica mais agressiva”, destacou.

Segundo a pesquisadora do Instituto Ludwig, os estudos sobre o papel de proteínas em tumores deverão ter continuidade. Um dos objetivos será avaliar se existem tumores específicos que têm a expressão ou a quantidade de PrPC aumentada ou diminuída. Expressar mais ou menos PrPC pode indicar que a célula é mais ou menos agressiva.

“Queremos estudar exatamente como a presença da PrPC pode modular o processo tumoral. Essa modulação pode ter um comportamento diferente em outros grupos celulares. A proteína tem, por exemplo, atividade em células como glioblastomas, regulando a proliferação de células de tumores do sistema nervoso”, afirmou Vilma.



O artigo Prion protein ablation increases cellular aggregation and embolization contributing to mechanisms of metastasis, de Vilma Regina Martins e outros, pode ser lido por assinantes do International Journal of Cancer.