George Palade e a moderna biologia celular

sábado, novembro 22, 2008

JC e-mail 3646, de 21 de Novembro de 2008.

21. George Palade e a moderna biologia celular, artigo de Wanderley de Souza

Guardo de Palade, com quem me encontrei várias vezes em congressos científicos e em visita a seu laboratório na Yale University, a imagem de um pesquisador entusiasmado e conferencista brilhante”

Wanderley de Souza é professor titular de Biologia Celular da UFRJ, membro das academias Brasileira de Ciências e Nacional de Medicina e diretor de Programas do Inmetro. Artigo publicado no “Monitor Mercantil”:

No século XX, até o início da década de cinqüenta, os estudos sobre a célula, unidade básica de todos os seres vivos, eram de natureza morfológica. Utilizavam-se o microscópio óptico tradicional e corantes pouco específicos, mas que permitiam a distinção entre o núcleo e o citoplasma. Vivia-se então o período do surgimento da Citologia, disciplina que surgia ligada à Histologia, esta amplamente difundida e componente básico dos cursos de Medicina.

Foi principalmente a partir dos laboratórios do Instituto Rockefeller, em New York, que iniciaram-se estudos com dois objetivos principais. Primeiro, proceder a uma análise mais detalhada da organização celular, lançando mão da microscopia eletrônica, que dava os seus primeiros passos. Segundo, aplicar ao estudo da célula, métodos bioquímicos já existentes.

Dois pesquisadores desempenharam papel importante nesta fase inicial: Albert Claude e Keith Porter. Foi neste ambiente que ingressou, em 1946, o médico George Emil Palade, então estagiando na New York University.

Palade nasceu em 19 de novembro de 1912 em Jassi, antiga capital da Moldavia, na Romênia. Graduou-se em Medicina em 1930 em Bucareste, defendendo uma tese em que descreveu a estrutura do nefro de cetáceos. Durante a segunda guerra serviu nas forças armadas. Somente em 1946 emigrou para os Estados Unidos e foi estagiar na New York University.

Após ingressar no Instituto Rockefeller trabalhou intensamente no sentido de associar a bioquímica à microscopia eletrônica, o que foi fundamental para o surgimento de uma nova disciplina, a Biologia Celular, a qual deu contribuições fundamentais. Vejamos apenas algumas dessas contribuições, as que considero mais relevantes. No seu conjunto levaram à obtenção do Prêmio Nobel de Medicina em 1974, dividindo-o com os seus colegas de departamento: Albert Claude e Christian de Duve.

No seu primeiro trabalho, publicado no Journal of Experimental Medicine em 1951, associou a morfologia à bioquímica para caracterizar o que hoje conhecemos como lisossomos, que foi posteriormente aprofundado por de Duve. O segundo trabalho, publicado em 1952, descreve o uso do tetróxido de ósmio como agente fixador, substância utilizada ainda hoje e com intensidade crescente.

A partir de 1954, publica com Keith Porter ou sozinho, trabalhos importantíssimos, descrevia várias estruturas novas: o retículo endoplasmático, os ribossomos, os grânulos de secreção, as vesículas pinocíticas e o complexo de junções. Cada um destes tópicos é hoje objeto de um ou mais capítulos dos modernos livros de Biologia Celular utilizados rotineiramente pelos alunos de graduação dos cursos na área da saúde.

As informações obtidas por Palade e seus colaboradores também são encontradas nos livros de Biologia usados por milhões de alunos do ensino médio em todo o mundo. Palade foi um dos introdutores da técnica de fracionamento celular e o primeiro a utilizar o gradiente de sacarose para obtenção de frações sub-celulares como a nuclear e a microsomal.

Após permanecer por 27 anos no Instituto Rockefeller, posteriormente transformado em Universidade Rockefeller, Palade aceitou o desafio de criar o Departamento de Biologia Celular da Faculdade de Medicina da Yale University, uma das mais importantes escolas médicas do Estados Unidos da América do Norte.

Por lá permaneceu até 1990, quando então foi desenvolver atividade semelhante na Universidade da Califórnia, em San Diego. Após uma vida de intensa atividade, com publicações científicas importantes até 1996, Palade faleceu em 7 de outubro último, aos noventa e cinco anos.

Guardo de Palade, com quem me encontrei várias vezes em congressos científicos e em visita a seu laboratório na Yale University, a imagem de um pesquisador entusiasmado, sempre disposto a discutir os resultados dos mais jovens e apresentar sugestões, e o conferencista brilhante, que atraía a atenção de todos pelas informações novas que apresentava em cada conferência.

Em 1977, quando presidia a American Society for Cell Biology, teve papel fundamental na organização do primeiro Congresso Internacional de Biologia Celular. Deixou dezenas de discípulos espalhados por todo o mundo que, certamente, estão dando continuidade a seus trabalhos.
(Monitor Mercantil, 17/11)