Voar às surdas ou fazendo ciência às cegas?

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Agência FAPESP – Nos morcegos, o que surgiu primeiro: a capacidade de voar ou a ecolocalização? Esta é uma dúvida antiga que tem motivado calorosos debates científicos, tendo sido objeto inclusive do célebre A origem das espécies, de Charles Darwin.

Para ajudar no vôo e na busca de presas no escuro, os noturnos morcegos usam de uma capacidade notável chamada de ecolocalização (ou ecolocação), um sistema de navegação baseado na identificação de obstáculos a partir da emissão de sons de alta freqüência produtores de ecos.

Um novo estudo acaba de identificar a mais antiga espécie de morcego descoberta até o momento e, de quebra, demonstra que eles aprenderam primeiro a voar. A pesquisa, feita a partir de fósseis encontrados na formação Green River, no Wyoming, Estados Unidos, está descrita na edição de 14 de fevereiro da revista Nature.

O fóssil de um esqueleto quase completo, extremamente bem preservado, permitiu a descrição da nova espécie, Onychonycteris finneyi, que contava com asas totalmente desenvolvidas para voar, mas cuja morfologia das orelhas indica que não era capaz de se ecolocalizar.

A descoberta foi feita por uma equipe de cientistas liderada por Nancy Simmons, chefe da Divisão de Zoologia de Vertebrados e curadora do Museu de História Natural dos Estados Unidos. “O Onychonycteris finneyi finalmente nos deu uma resposta: primeiro veio a evolução do vôo e, depois, a ecolocalização”, disse Nancy.
A capacidade de ecolocalização dos morcegos foi identificada há cerca de 50 anos e, por muito tempo, a teoria mais aceita foi que ela precedeu a de voar. Os defensores sugeriam que ancestrais terrestres dos morcegos teriam desenvolvido a ecolocalização para detectar insetos. Em seguida, teriam evoluído os membros e começaram a pular até que, finalmente, ganharam os céus.

Morcegos representam uma das maiores e mais diversas ordens de mamíferos. De cada cinco espécies de mamíferos, uma é de um morcego. A descoberta do mais primitivo membro da ordem Chiroptera foi enfatizada pelos cientistas – o fóssil descrito agora foi encontrado em 2003.

“Logo na primeira vez que o vimos soubemos que era especial, pois se tratava de um morcego diferente de todos os outros conhecidos anteriormente. Em muitos aspectos, ele representa um elo perdido entre os morcegos e seus ancestrais não voadores”, disse Nancy.

Datação feita pelos pesquisadores do fóssil encontrado estimam que o morcego teria vivido há 52 milhões de anos, quando a espécie não era mais a única: fósseis de outro morcego, Icaronycteris, foram encontrados anteriormente na mesma formação. Essa espécie mais nova já contava com a capacidade de ecolocalização.

O exame detalhado do Onychonycteris finneyi revelou outros detalhas surpreendentes, como garras nos cinco dedos de cada pata – os morcegos modernos têm garras em um ou dois apenas. As proporções dos membros também eram diferentes, com antebraços mais curtos e pernas mais longas. As formas sugerem que a espécie deve ter sido uma hábil escaladora.

As asas eram curtas, o que indica que não voava tão velozmente quanto as espécies posteriores. Segundo o estudo, o morcego primitivo deveria alternar entre bater as asas e planar. Análise dos dentes indica que a dieta consistia principalmente de insetos, como a maioria dos atuais.

O artigo Primitive Early Eocene bat from Wyoming and the evolution of flight and echolocation, de Nancy Simmons e outros, pode ser lido por assinantes da Nature aqui. [NOTA DO BLOGGER: Pode ser acessado gratuitamente por quaisquer professores, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação das universidades públicas e privadas através do site da CAPES - Periódicos].

Destaque no JC E-Mail 3449, de 14 de Fevereiro de 2008

Vide também a notícia no New Scientist.

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Comentário impertinente deste blogger:

A lógica evolucionista usada aqui é impressionante, para não dizer engraçada. Ridiculamente engraçada. Razão? Nós temos dois morcegos fossilizados na mesma rocha (seja lá o que isso possa significar cientificamente), um deles ainda não tinha desenvolvido a ecolocalização; o outro já tinha desenvolvido. Capice?

QED: O morcego sem ecolocalização surgiu primeiro na história evolutiva, e evoluiu o uso da ecolocalização tão rapidamente a ponto de deixar o segundo morcego que já tinha o sistema de ecolocalização fossilizado na mesma rocha que ele.

Caracas meu, esses morcegos são inteligentes demais. Impressionante que, sem a ecolocalização o morcego não consegue sobreviver. Como então ‘sobreviveu o mais apto’ (não seria inapto) dos morcegos sem a ecolocalização necessária para sua sobrevivência evolutiva?

O mais apto dos morcegos já teria que saber voar e ter um sistema de ecolocalização plenamente funcional, caso contrário, nós nunca veríamos um só deles na rocha pra contar a seguinte estória da carochinha:

1. Morcego sem ecolocalização: “Primeiro voar e depois ecolocalizar, ou primeiro ecolocalizar e depois voar? Voar ou ecolocalizar, eis a questão.” Bem a la Shakespeare este morcego.

2. Morcego com ecolocalização ISO 14000: “Você especula filosoficamente demais. Que tal voar e ecolocalizar ao mesmo tempo? É mais fácil, e assim nós evitamos milhares de etapas transicionais que nunca serão vistas no registro fóssil.” Bem a la Bacon-Popper este outro morcego.

3. Morcego sem ecolocalização: “Puxa vida, a vida de morcego é dura pra morcego. Por que a evolução nos deixou com este baita quebra-cabeça para a nossa sobrevivência? Já não é fácil viver de cabeça para baixo aqui nesta caverna escura e fétida, e nós ainda temos que decidir teleologicamente como sobreviver? Voar ou ecolocalizar? Qual é o passo evolutivo mais fácil?”

4. Morcego com ecolocalização: “Olha, esse seu papo de teleologia eu já ouvi em algum lugar. Você não tem medo de ser chamado de “morcego fundamentalista”, de ser acusado como alguém “que não sabe o que é ciência”? Afinal de contas, a evolução é mais sábia do que você, morcego idiota.”

Outra possível descrição deste evento:

1. Morcego sem ecolocalização desesperado para a torre em Down, antes de se esborrachar na rocha: “O que eu faço? Voar ou ecolocalizar? Mayday, mayday, I need somebody, not just anybody, please!” A mensagem de SOS, apesar de ter sido transmitida em inglês não evitou sua extinção.

2. Morcego com ecolocalização e capacidade de vôo para a torre, antes de se esborrachar na rocha: “Mayday, mayday. SOS. SOS. SO... S... ...”

Grande e tonitruante interferência se fez ouvir na história da comunicação evolutiva. Embora tenha sido detectada, este detalhe não deve ser lido e nem comparado à luz das grandes extinções como a causada pelo grande meteoro que extinguiu os dinossauros.

Pano rápido, oops, fim da transmissão, oops, fim da comunicação científica...

Fui, morcegar em outras cavernas epistêmicas...