A face stalinista-maoísta, arrogante, totalitária da ciência pós-moderna

domingo, dezembro 16, 2007

Quando pela primeira vez eu grafei o termo “Nomenklatura” com “K” num artigo publicado no Observatório da Imprensa, Claudio Weber Abramo, então articulista da Folha de São Paulo e hoje presidindo uma ONG cobrando ética dos políticos [engraçado por que ele não cobra ética também na ciência?], escreveu replicando que esta foi a única coisa diferente que eu trouxe para o debate Darwin vs. Design.

Eu escrevi com “K” porque na condição de ex-marxista eu pude vislumbrar a camisa-de-força epistêmica imposta na comunidade acadêmica e os ares de pontífices secularistas arrogantes quando os cientistas emitem e impõem suas opiniões sobre a sociedade: Totalitarismo do pensamento uniforme [a síndrome dos soldadinhos-de-chumbo] onde todo mundo pensa igual e ninguém pensa em mais nada.

Abaixo duas situações que exemplificam muito bem esta inusitada situação que eu chamo de “tentação luciferiana”. Uma, alhures, na Inglaterra. A outra, bem aqui em Pindorama.

13/12/07

A face pós-moderna da ciência
Por David Tyler 07:41:06 am

“A ciência se desenvolve muito rapidamente para a moralidade” é descrito por Mary Warnock como o clichê do século XX. Mas isso pode não estar certo. A moralidade tem a ver com o como nós usamos a ciência e onde nós devemos estar colocando nossos esforços na pesquisa. Na melhor das hipóteses, o clichê pode ser entendido como significando que a pesquisa científica lança novas questões para consideração, mas isto é fazer um ponto diferente (e não controverso). Na pior das hipóteses, isto implica que a moralidade deve ser entendida como uma estrutura inerentemente subjetiva para guiar a conduta humana.

O Committee of Enquiry into Human Fertilization and Embryology [Comitê de Pesquisa na Fertilização e Embriologia Humanas] foi estabelecido pelo governo do Reino Unido para fornecer recomendações antes da legislação relativa à fertilização in vitro (in vitro fertilization, abreviado IVF em inglês). A moralidade se preocupa com o que nós devemos fazer, mas é significante que o Comitê focalizou na legislação sem fazer quaisquer declarações sobre as obrigações morais dos pesquisadores.

“Nós não somos um grupo de ‘especialistas em moral’, com autoridade moral particular derivada de nossa especialidade. Antes, o nosso direito de propor legislação é derivado do fato que nós fomos colocados pelo governo, e que nos deram o tempo e os recursos para realizar isso. A outra única exigência foi que nós todos deveríamos ser capazes de formular e ouvir argumentos.”

Desde quando a possibilidade do IVF surgiu nos anos 1970s, tem tido convites para um debate público sobre as implicações éticas e morais. Alguns grupos com uma agenda moral mais nítida contribuíram para este debate, mas as suas representações foram consideradas ‘partidárias’. Warnock se refere à Igreja Católica Romana e a sua oposição à destruição de embriões humanos na pesquisa. A ICR baseou esta opinião no seu entendimento da santidade da vida humana desde o seu início. A reação do Comitê foi significante:

“A Igreja reclamou para si um direito de regular a ciência nesta área, por causa do seu conhecimento superior da moralidade. Num contraste bem pronunciado, o direito do comitê em emitir conselho moral para os ministros é derivado do fato de ter sido estabelecido para fazê-lo, e de ter um quadro de membros amplo e apartidário.”
O Comitê reconheceu que as afirmações sobre a santidade da vida humana e o status do embrião humano pressupõem uma autoridade. É isso que traz o ‘dever’ à moralidade.

Onde o Comitê achou a sua autoridade? Não em nenhuma das fundações metafísicas, mas na autorização do governo da Grã-Bretanha para dar conselhos. Assim, a autoridade deles foi construída socialmente. A abordagem deles é o tácito reconhecimento de que a moralidade em si mesma não pode ser algo fruindo do método científico.

Como que a equipe de Warnock abordou a questão crucial do status do embrião humano?
“Uma das tarefas mais difíceis que o comitê enfrentou foi fazer com que o Parlamento [inglês] entendesse que o status do embrião in vitro não era uma questão de ciência, mas de decisão moral. A novidade do embrião in vitro significava que não poderia haver apelo à convenção moral precedente ou existente, ou às leis religiosas.”

O que está faltando aqui é o reconhecimento de que, biologicamente, o embrião é um ser humano no seu estágio incipiente de desenvolvimento. Isto deveria ser um ponto de concordância por todos os que contribuem para este debate, e vale a pena destacar isso desde o início. O status do embrião foi considerado pelo Comitê como sendo uma questão de “decisão moral”, e uma decisão que a Sociedade deve fazer através de seus representantes eleitos (e aqueles que ele delega para considerar as questões).

“Ocasionalmente... aqueles na interface entre a ciência e a política são chamados para definir os padrões morais para a sociedade”. Assim, o Parlamento se torna a fonte da autoridade moral — a vontade do governo prevalece.

Dos comentários acima, fica claro que todas as características do pós-modernismo estão presentes no modo que o Comitê tem conduzidos seus afazeres. A obrigação moral é construída socialmente através de representantes e quengos eleitos. As decisões morais são feitas por aqueles em posição de poder em favor da comunidade que eles governam. Essas decisões são, em última instância, subjetivas e elas podem mudar com o contexto social. Apelos para autoridade externa podem ser admitidos no discurso público, mas eles são rapidamente considerados como “partidários” e como assunto de “moralidade privada”. Determinar a moralidade pública é assunto da Sociedade e do Governo, e não de Deus como o Legislador.

Curiosamente, um elemento da ciência positivista tem se infiltrado nesta questão. A descrição do Comitê como “não tendo partidários no seu quadro de membros” é uma que se relaciona aproximadamente do conceito de que o pesquisador é um observador imparcial e objetivo do mundo. Todavia, isto é um engano completo! Ninguém não é apartidário em questões de ética e moralidade. Todo mundo tem uma agenda que trazem para a discussão.

O que nós temos aqui é uma nítida demonstração da fragmentação do conhecimento e da filosofia de pesquisa dentro da ciência materialista. Os humanos, com o nosso sentido de ‘dever’ e ‘obrigação’, simplesmente não encaixamos na cosmovisão materialista. Os problemas identificados pelos românticos do século 18 ainda estão conosco! Os materialistas de hoje tentando abordar a questão da pesquisa de embriões se viram obrigados a adotar a disposição mental do pós-modernismo. Eles tacitamente reconheceram que as respostas não virão da ciência. Eles aceitaram que os nossos dirigentes têm a autoridade para determinar a moralidade pública. A História sugere que isso é uma estratégia perigosa. Nós precisamos de líderes que reconhecem que eles mesmos são responsáveis a uma autoridade superior. Nós necessitamos de uma epistemologia de conhecimento subjacente que unifique as arenas públicas e privadas da vida, e integre as ciências naturais e sociais.

The ethical regulation of science
Mary Warnock
Nature 450, 615 (29 November 2007) | doi:10.1038/450615a
Abstract:
Occasionally science makes procedures possible that are so radical that those at the interface between science and politics are called on to define moral standards for society.

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À luz cristalina do texto acima, leia agora o que está acontecendo em Pindorama: cientistas “pressionam” o Supremo sobre a emissão de uma nota promissória científica.

JC E-Mail 3411, de 14 de dezembro de 2007

1. Células embrionárias: julgamento em fevereiro

Comunidade científica pressiona Supremo a chegar a um veredito sobre uso em pesquisas

Alan Gripp escreve para "O Globo":

Lideranças da comunidade científica brasileira estiveram ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) para pressionar a corte a pôr um ponto final na polêmica sobre a proibição do uso de células-tronco embrionárias em pesquisa. Uma ação proposta pelo Ministério Público Federal, em 2005, paralisou os estudos científicos, que podem resultar em tratamentos de doenças degenerativas, como os males de Alzheimer e Parkinson.

O ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso, prometeu entregar o seu voto na primeira semana de fevereiro. Depois, os ministros se reunirão para julgar. O uso de células embrionárias em pesquisas foi regulamento pelo Congresso em 2005, com a aprovação da Lei de Biossegurança.

A lei permite a pesquisa com embriões congelados há mais de três anos por clínicas de fertilização. Mas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta naquele mesmo ano pelo então procurador-geral da República Cláudio Fontelles, pede a proibição das pesquisas.

A coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, Mayana Zatz, que esteve ontem com os ministros, disse que até a manifestação do tribunal as pesquisas continuarão paradas, em função de restrições impostas pelos conselhos de ética de instituições científicas. Segundo ela, os estudos com células de embriões são mais eficazes do que os realizadas com células adultas.

Mayana diz que não há divisão na comunidade científica sobre o tema [1]:

— É o futuro da regeneração dos órgãos e tecidos. E hoje estamos de mãos atadas.

A polêmica tem como pano de fundo a discussão sobre o momento exato em que se inicia a vida. Fontelles reproduz o argumento da Igreja: os embriões são seres vivos. Para a comunidade científica, são apenas tecidos vivos.

O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antônio Raupp, diz que o impasse está retardando as pesquisas:

— Sabe o que vai acontecer? O Brasil tem hoje um bom conhecimento do tema, mas com as pesquisas paradas vamos ter que pagar royalties quando forem descobertas curas para doenças. Nos EUA e na Europa ninguém pára. [2]
(O Globo, 14/12)

NOTA:

1. Mayana Zatz está despudoradamente em descompasso com a verdade na sua defesa apaixonante da utilização de embriões humanos: há sim divisão na comunidade científica sobre o tema.

2. Marco Antonio Raupp fez aqui um exercício de futurologia, e se esqueceu de fazer um exercício do presente: somente os muito, mas os muito ricos é que poderão ter acesso a este tipo de terapia. Só para uma linhagem de células-tronco embrionárias são necessários uns 260 óvulos. Cada custa uns US$ 4.000,00 (quatro mil dólares). A remoção é uma cirurgia invasiva, com danos para as mulheres. Isso totaliza a bagatela de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares). Fora os salários dos cientistas pesquisadores, despesas do laboratório (água, energia) y otras cositas mais.

A terapia com as células-tronco embrionárias não será democratizada como estão “choramingando” os cientistas tupiniquins pressionando nossos políticos. Do jeito que está o SUS, que não atende direito nem dor de cabeça, querer que o público pague estas pesquisas somente para satisfazer ególatras científicos? Muito mais agora sem a CPMF. Não acredito que os planos de saúde irão contemplar este tipo de terapia para seus associados. Se cobrirem, vai ser uma quebradeira geral neste setor. A lógica do capitalismo ainda é o lucro, mesmo que seja em planos de saúde.

O Congresso Nacional não deve se sentir “pressionado” pelos apelos emocionais dos Drs. Frankensteins da vida, e a sociedade deve ser sim consultada num plebiscito sobre esta complexa e polêmica questão, pois é ela quem paga os salários dessa turma e as suas pesquisas. Algumas até inúteis e desnecessárias, diga-se de passagem.
Cheque em branco pra esta turma já teve conseqüências funestas recentemente para a humanidade. Lembre-se de Hiroshima e Nagasaki. E também de Josef Mengele...

Só pra contrariar os cientistas stalinistas-materialistas de plantão que querem ver os de concepções religiosas como gado enfurnados nos seus guetos e catacumbas dominicais, sem nenhuma participação na polis, vide o artigo abaixo de JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR, publicado na Folha de São Paulo:

Discurso religioso, aborto e Estado laico

JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR

Talvez, seja de fato, mais conveniente discutir sobre o aborto sem os padres na sala. Mas seria essa uma opção pluralista?

O MINISTRO da Saúde, José Gomes Temporão, ao declarar tempos atrás que o aborto não é uma questão religiosa, e sim de saúde pública, reavivou o debate sobre a questão. A declaração é importante porque, a rigor, estabelece um limite para a invocação de razões religiosas no debate público, tema recorrente nesta Folha. Talvez seja, de fato, mais conveniente discutir sobre o aborto sem os padres na sala. Mas seria essa uma opção pluralista?

Há dois pontos de vista básicos sobre a origem da vida. Ou ela é fruto do acaso e consiste numa força cega, sem significado e propósito, que saiu do nada e vai para lugar nenhum, resultado de infinitas mutações que se desenvolvem a partir de uma forma absolutamente primária etc. etc., ou resulta de um ato de criação de um ser inteligente e, por causa disso, tem significado, propósito etc. etc.

Os dois pontos de vista são indemonstráveis. A vantagem do primeiro -a visão secular- consiste no fato de que sua argumentação, ainda que indemonstrada, é puramente naturalista e se ajusta ao método científico. Uso a expressão naturalista, que me parece melhor do que materialista, para nomear a visão de que a natureza é tudo o que existe, em contraposição àquela que concebe a existência de uma realidade sobrenatural.

Armand M. Nicholi Jr., professor de psiquiatria na Universidade Harvard (EUA), destaca em sua última obra que Freud dividia a humanidade em duas classes: os que crêem em Deus e os que não crêem. As visões de mundo de uns e de outros são radicalmente diferentes.

Entender, por um lado, que a vida é sagrada, por ser dom de Deus, ou, por outro, que é um acidente natural a que o homem empresta valor conforme suas condições culturais, evidentemente, estabelecerá radical distinção nos valores de quem crê numa ou noutra hipótese. E como o Estado laico se posiciona em relação a isso?

Não se posiciona. Deixa ambos com seus pontos de vista e não toma partido. Estado laico não significa uma opção oficial pelo ponto de vista exclusivamente naturalista do mundo, mas uma opção por não se meter na discussão, concedendo liberdade a quem crê e a quem não crê.

Vale lembrar o texto da primeira emenda da Constituição norte-americana, a primeira a regular a questão: "O Congresso não aprovará nenhuma lei relativa ao estabelecimento de religião ou que proíba seu livre exercício". Estado laico é aquele que está proibido de tomar partido em matéria de religião. Isso, obviamente, não impede ninguém de expor sua posição na arena pública fundado em suas convicções (ainda que religiosas). Nenhuma regra impede o religioso de invocar suas razões numa discussão oficial, especialmente se o objeto da controvérsia girar em torno de valores, campo em que a ciência é muda e o naturalismo nada tem a dizer.

Dizer que as razões que se apóiam numa convicção religiosa se contrapõem ao Estado laico é torcer a regra e, a rigor, subordinar a visão de mundo do religioso à secular, arbitrariamente. Se a argumentação de um religioso objetiva proteger um valor tutelado pelo direito, não importa que invoque uma razão espiritual para se definir nessa posição.

Não importa por quê? Porque o tema é levado ao debate e pode ser contestado por quem pensa de modo diferente. Não há obscurantismo quando se tem a honestidade de defender um valor protegido pelo direito com base numa visão de mundo não secular e se está aberto ao dissenso. O que gera o obscurantismo não é a fé, mas a proibição do dissenso, falha na qual incorrem muitos ao invocar o Estado laico para, em discussões oficiais, fechar a boca de quem crê em Deus. A imposição de silêncio ao religioso significa que o Estado o estaria obrigando a se posicionar sempre -e exclusivamente- a partir de postulados materialistas -tão metafísicos quanto os não materialistas- que violam sua convicção. O materialismo filosófico não é a única linguagem autorizada pelo Estado.

No fundo, o problema é outro: há no pensamento secular, ainda que não assumida, a convicção de que a fé é um perigo obscurantista que devemos banir do nosso meio o quanto antes, sob pena de restaurarmos a idade das trevas. Bobagem.
A história mostra que, para ser fanático, não é preciso ser religioso e que o obscurantismo não é fruto do fato de o sujeito crer em Deus e na existência de uma realidade sobrenatural. Hitler, Mao, Stálin etc. não criam em nada disso. Obscurantismo é a proibição do dissenso.

JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR , 44, é procurador da República da 4ª Região.

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